quarta-feira, 16 de julho de 2008

Machado de Assis e a Rua do Ouvidor


Como vocês sabem, esse blog não fala só de samba, mas também do Rio antigo. Seguindo esta linha, vou transcrever aqui pra vocês um texto muito bonito disponibilizado pelo ouvidor Ulisses Adirt. Na verdade, é um trecho de um texto do Machado de Assis em que ele fala da Rua do Ouvidor retirado da crônica “Tempo de crise”, publicada no Jornal das Famílias, em abril de 1873. Aí vai...


“– Não; fiquemos um pouco à porta; quero conhecer esta rua de que tanto se fala.
– Com razão, respondeu o C...

Dizem de Shakespeare que, se a humanidade perecesse, ele só poderia recompô-la, pois que não deixou intacta uma fibra sequer do coração humano. Aplico el cuento. A rua do Ouvidor resume o Rio de Janeiro. A certas horas do dia, pode a fúria celeste destruir a cidade; se conservar a rua do Ouvidor, conserva Noé, a família e o mais. Uma cidade é um corpo de pedra com um rosto. O rosto da cidade fluminense é esta rua, rosto eloqüente que exprime todos os sentimentos e todas as idéias...
– Contínua, meu Virgilio.
– Pois vai ouvindo, meu Dante.

Queres ver a elegância fluminense? Aqui acharás a flor da sociedade, as senhoras que vêm escolher jóias ao Valais ou sedas à Notre Dame, os rapazes que vêm conversar de teatros, de salões, de modas e de mulheres.

Queres saber da política? Aqui saberás das notícias mais frescas, das evoluções próximas, dos acontecimentos prováveis; aqui verás o deputado atual com o deputado que foi, o ministro defunto e às vezes o ministro vivo. Vês aquele sujeito? É um homem de letras. Deste lado, vem um dos primeiros negociantes da praça.

Queres saber do estado do câmbio? Vai ali ao Jornal do Comércio, que é o Times de cá. Muita vez encontrarás um cupê à porta de uma loja de modas: é uma Ninon fluminense. Vês um sujeito ao pé dela, dentro da loja, dizendo um galanteio? Pode ser um diplomata. Dirás que eu só menciono a sociedade mais ou menos elegante? Não; o operário pára aqui também para ter o prazer de contemplar durante minutos uma destas vidraças rutilantes de riqueza, – porquanto, meu caro amigo, a riqueza tem isto de bom consigo, é que a simples vista consola.

Saiu-me o C... tamanho filósofo que me espantou. Ao mesmo tempo agradeci ao céu tão precioso encontro. Para um provinciano, que não conhece bem a capital, é uma felicidade encontrar um cicerone inteligente.”

Ulisses, muito obrigado por sua colaboração.

Amanhã coloco a 4ª leva de sambas!

5 comentários:

Os Medíocres disse...

Salve Machado de Assis. Grande mestre!

M. Ulisses Adirt disse...

Fico feliz que vocês tenham gostado. Abraços.

Anônimo disse...

Belíssimo texto!


OBS:Gugu, você nunca leu Machado de Assis...

Huhauauhahuauhauh!!!

Abraço e até sábado!

Anônimo disse...

Machado é ótimo!
E a rua é LINDA!

Os Medíocres disse...

Lele....Eu leio em uma semana o que vc nao le em um ano.

Cachaça!

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